A Companhia Paulista de Estradas de Ferro

II. VIAS DE PATRIMONIALIZAÇÃO




A alteração paradigmática processada em torno do conceito de patrimônio cultural, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, não ocorreu uniformemente no mundo ocidental, tendo dependido essencialmente do desenvolvimento institucional das políticas públicas nos diferentes países. No caso específico do patrimônio ferroviário brasileiro, esta preocupação desenvolve-se sobretudo a partir da década de 1970, acompanhando a crise econômica do setor ferroviário e à medida que se consolida na consciência pública a sua necessidade de preservação, perante o encerramento crescente de ramais que serviam diretamente à população. Também no Estado de São Paulo, o sistema ferroviário se deparava com sérias dificuldades, derivadas da progressiva falta de investimentos no setor e acentuada redução nos serviços de transporte de passageiros e cargas, o que se traduzia no obsoletismo das infraestruturas e equipamentos operacionais.



a) Institucionalização da FEPASA


É nesse sentido que, a 10 de Novembro de 1971, por decreto de Laudo Natel, Governador do Estado de São Paulo, é criada a FEPASA, como resultado da agregação das cinco principais companhias ferroviárias que atuavam no Estado: Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Companhia Mogiana, Estrada de Ferro Sorocabana, Estrada de Ferro Araraquara e Estrada de Ferro São Paulo e Minas. A empresa ocupar-se-ia, então, da integração operacional, técnica e administrativa das ferrovias adquiridas, para além de estudos mais amplos, visando o levantamento dos veículos e equipamentos existentes e a alienar, e ainda de uma análise aprofundada da via permanente ativa, prevendo-se a desativação dos ramais de baixo potencial e a abertura ou remodelação de outros (FEPASA, 1991:11). Até ao final da década de 1980, a FEPASA investiria no desenvolvimento da rede ferroviária por todo o território paulista, sendo que os investimentos previstos se fundamentavam, basicamente, em três diretrizes (Giesbrecht, 2010:83-89): 



"A consolidação do corredor ferroviário de exportação, para beneficiar o transporte de cargas; o atendimento a grandes centros industriais; e o transporte de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo, cujo serviço se apresentava em condições muito aquém das necessidades e do nível de conforto exigido pela população." 



b) Museu da Companhia Paulista

A FEPASA iria também investir na patrimonialização do seu acervo histórico, proveniente das cinco ferrovias que passava então a integrar. Para esse efeito, instituiu o Museu Ferroviário Barão de Mauá, inaugurado no dia 9 de março de 1979, em Jundiaí, como homenagem a Irineu Evangelista de Souza, figura pioneira do transporte ferroviário nacional. No ano de 1995, o museu seria renomeado como Museu da Companhia Paulista e, em 1999, após extinção da FEPASA e mudança da sua tutela para a Companhia Paulista de Administração de Ativos, seria estabelecido um contrato com a Secretaria de Recuperação de Bens Culturais que, pelo período de dois anos, ficava responsável pelas atividades de preservação do acervo museológico. Nesse momento, o museu foi reordenado, os objetos rearranjados e os nomes das salas modificados, de modo a que passasse a retratar, principalmente, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (Bartcus, 2012: 46-48).
Não cabe aqui analisar detalhadamente o processo de patrimonialização do Museu da Companhia, cuja complexidade burocrática já foi devidamente estudada por Aline Vieira Bartcus e Sueli Soares Batista,1 bastando apenas referir que envolveu um elevado número de agentes e que estes, muitas vezes, adotaram políticas de gestão contraditórias, nomeadamente no que se refere à tutela das estruturas edificadas, equipamentos industriais e acervos (museológicos, bibliográficos e documentais), originalmente enquadrados na dependência do complexo ferroviário de Jundiaí.

c) Tombamento do Complexo FEPASA


Em 1997, a União dos Ferroviários de Jundiaí (UFA) solicitou ao CONDEPHAAT o tombamento do conjunto edificado e equipamentos das Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista, estudo que ainda hoje se encontra em tramitação. Posteriormente, no ano 2000, a Sociedade de Amigos da Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico de Jundiaí (SOAPHA), solicitaria um pedido semelhante ao IPHAN que, em Julho de 2004, conclui o processo de tombamento do complexo ferroviário, entretanto adquirido pela Prefeitura do Município de Jundiaí, a 20 de janeiro de 2001, e que hoje assume a administração do Museu da Companhia Paulista. No decurso de todo este processo, muitos objetos museológicos foram perdidos, principalmente porque o museu ficaria abandonado em determinados momentos, o que facilitou a degradação física dos acervos. Contudo, devido à inexistência de registros atualizados, não se pode mensurar ao certo a quantidade de objetos perdidos ou afirmar quando e como ocorreram transferências de bens, sendo igualmente complexa a tarefa de proceder à sua correta identificação, devido a questões operacionais relacionadas com as condições de preservação dos acervos.

d) Situação Atual

Trabalho de campo realizado no ano de 2013, num dos setores das antigas Oficinas de Manutenção da Paulista, permitiu contatar que aí se encontravam depositados inúmeros exemplares de equipamentos industriais outrora empregues no setor ferroviário. Sem qualquer tipo de proteção contra as intempéries, sujeitos ao depósito cumulativo de poeiras e outro tipo de sujidades e aos danos causados pela presença de roedores, aves, insetos, vegetação e microrganismos, presença esta potencializada pelos elevados níveis de temperatura e umidade relativa concentrados neste espaço, muitos destes equipamentos denunciam, atualmente, um estado de conservação bastante preocupante, sendo na maioria das vezes praticamente impossível proceder à sua correta identificação.








Notas:
1. BARTCUS, Aline Zandra Vieira. Memória e Patrimônio Ferroviário: Estudo sobre o Museu da Companhia Paulista em Jundiaí/SP. Dissertação de Mestrado em História, apresentada à Faculdade de Ciências e Letras da UNESP. Assis: UNESP, 2012. BATISTA, Sueli Soares dos Santos. “O Complexo Cultural FEPASA em Jundiaí: Histórico e Perspectivas” in ACUIO, Luiz Gustavo Lopes e CAZZOLATO, Thais Helena. Reutilização do Patrimônio Ferroviário através de Eventos Culturais. Jundiaí: Edições Brasil, 2013.

Sem comentários: